segunda-feira, 16 de março de 2015

Disco 81 cerveja 81

ANGELUS – MILTON NASCIMENTO (1994). Está com calma? Tem como começar a escutar esse disco de alguma forma enquanto lê esse texto? (click aqui para ouvir). Ok, mesmo se não tiver, saiba que isso é uma obrigação em sua vida. E  vai entender o motivo...

Primeiro peço desculpas pelo tamanho do texto, realmente cortei muito para poder não ficar cansativo, mas é complicado falar de um disco que gosto tanto, que está entre os que mais gosto em minha vida. Sim, não é exagero quando falo isso sobre as composições, letras, participações e o quanto esse disco representa para a história da música, não só brasileira.

Milton Nascimento é um carioca criado em Minas Gerais. Mudou-se para Belo Horizonte para trabalhar como datilógrafo.  Morava em uma pensão quando conheceu Márcio Borges e  a partir dessa amizade, diversas poesias e músicas. Com isso, nasceram diversas parcerias e músicas que entraram para a história. Com ele e mais diversos amigos (que contarei em outra oportunidade), criaram o movimento “Clube da Esquina”.

O movimento conseguiu criar o que hoje é chamado de “Música Mineira”, uma MPB com muito jazz e rock progressivo. Esse disco é o ápice de suas composições. O disco é esquecido em seus shows na atualidade. Mas bem que ele poderia tocar na íntegra novamente...

O disco Ângelus é um pouco diferente. Ele tem como banda de apoio diversos amigos que fez durante todos os anos de carreira.  Olha quem são os convidados deste disco.

Milton Nascimento – vocais, sanfona, violão e piano.
Wayne Shorter - sax
Gil Goldstein – orquestra e regência
Jon Anderson – vocais
Túlio Mourão – teclado, piano
Hugo Fattoruso – acordeon, piano
João Baptista – baixo fretless, baixo
Wilson Lopes - guitarra e viola caipira
Robertinho Silva – percusão, bateria e concepção rítmica
Ronaldo Silva – percusão, bateria, efeitos, tamborim
Vanderlei Silva – percusão, efeitos, tamborim
Leonardo Bretas – vocais
Naná Vasconcelos – percusão e concepção rítmica
James Taylor – vocais, violão
Jeff Bova – teclados
Tony Cedras – acordeon
Anthony Jackson – guitarra "contrabass"
Chris Parker – bumbo
Peter Gabriel – vocais
Flávio Venturini – violão
Herbie Hancock – piano
Pat Metheny – guitarra, violão
Ron Carter – baixo
Jack Dejohnette – bateria


Ok, já viu que é pesado o time que toca nesse disco. Não teria como sair um disco no mínimo fantástico.  Agora vamos as faixas.

A introdução é “Seis horas da Tarde”, justamente a hora do Angelus. Realmente uma anunciação do disco.

“Estrelada” fala sobre a Terra de forma de construção e de como devolvemos isso. Música de Milton e Márcio Borges, tem participação de Jon Anderson, do Yes.  Essa música originalmente era pra ter sido usada como tema da Eco 92, mas acabou não finalizada. Milton estava em Nova Iorque, onde morava naquele ano, e não conseguiria terminar o cronograma.
“...És menina do astro Sol
és  rainha do mundo ao mar
teu luzeiro me faz cantar
Terra, Terra és tão estrelada
Os teus homens não têm juízo
Esqueceram tão grande amor.
Ofereces os teus tesouros
Mas ninguém dá o eu valor”.
Essa seria a estrofe tema da Eco, que acabou ficando guardada até que veio esse disco.

Em “De um Modo Geral”, o disco fica mais pesado e passa a ter elementos do jazz e do rock. O contratempo que a bateria fz no final da música é de dar nó na cabeça. Certa vez tentei tocá-la e vi que ainda preciso de uns 10 anos de estudo de percussão para começar a entrar no contratempo da música. Fantástico.

A faixa título é um tanto confusa, que com algumas audições consegue distinguir as ‘letras’ e o instrumental. Entre aspas pois a música não tem uma letra propriamente dita. É uma criança – Leonardo Bretas – quem começa a cantar a música, apenas piano e voz, quando depois entra Milton dando seus agudos e graves em uma mistureba bem interessante.

“Coisas de Minas” é a mais típica música caipira jazzística. O início é com viola sendo tocada de maneira forte, sem o dedilhado típico da música caipira, dando um pouco de peso e jazz na música. “A porta aberta bem vindo à casa prazer conhecer, se a conversa acabar na cozinha já é da família, melhor pra você’.  Isso é totalmente a característica do povo mineiro. Acolhedor, receptivo, falador e que se você não está comento (muito) parece que você não está bem.  Sempre lhe servem de tudo e depois, mesmo passando duas horas comendo e conversando, perguntam se a gente só come isso, por que não come mais?... coisas de Minas mesmo.

Hello Goodbye é uma regravação de Beatles que Milton já havia feito no disco “O Planeta Blue na Estrada do sol”, um acústico ao vivo de 1991. A canção ficou lenta e chorada, bem ao estilo de Milton – o que dá uma leve caída no disco, não na qualidade mas sim no crescimento andante das melodias-.

“Sofro Calado” é uma passagem de voz e piano, feita em parceria com Régis Faria.

“Clube da Esquina nº 2”. Clube da Esquina foi um movimento musical brasileiro surgido no início da década de 1960 em Belo Horizonte  , onde jovens músicos começaram a se reunir na capital mineira, seu som se fundia com as inovações trazidas pela Bossa Nova a elementos do jazz, do rock’n’roll – principalmente The Beatles –, música folclórica dos negros mineiros com alguns recursos de música erudita e música hispânica. Nos anos 70, esses artistas tornaram-se referência de qualidade na MPB pelo alto nível de performance e disseminaram suas inovações e influência a diversos cantos do país e do mundo. O disco foi lançado em 1972 e era pra ser o primeiro disco duplo da música brasileira, mas Gal Costa por questão de dois meses ficou com esse título. (em breve o disco estará na lista, mas isso foi apenas um breve  resumo). A música foi composta em um dia de chuva na casa de dona Maricota, mãe d’Os Borges (leia disco 98 dessa lista). Milton e Lô Borges estavam na varanda e fizeram a música. Quando terminaram olharam um para o outro e viram a pérola que haviam feito. No mesmo minuto Márcio Borges se prontificou a fazer a letra. Ao mesmo tempo Lô e Milton falaram “Não, sem letra”. Eles se olharam e concordaram. Essa música deveria ser instrumental. Após alguns anos,  mesmo com a música já gravada, Márcio fez a letra e a música acabou sendo grava primeiramente por Flávio Venturini (14 Bis, O Terço). Nessa versão, Milton dá uma quebrada crescente na música, com violentas paradas de contratempo. Vale toda a história que carrega essa canção.

“Meu Veneno” é uma parceria de Milton com Ferreira Gullar. Uma música um tanto chorada, onde a melancolia da voz de Milton casa-se com um acordeão e a percussão de Naná Vasconcelos.

Mas o disco ganha maior destaque na gravação que Milton faz em parceria com James Taylor. Taylor sempre foi um apaixonado pelo Brasil. Após o Rock n Rio 1, numa época em que ele retomava sua carreira pós o divórcio com Carly Simon, embora comovido com a inesperada recepção do público brasileiro (cerca de 250 mil pessoas). Em homenagem ao ocorrido, Taylor até compôs a balada "Only a Dream in Rio" (Apenas um sonho no Rio), que integrou "That's Why I'm Here", na qual declama versos em agradecimento como "I was there that very day and my heart came back alive" ("Eu estava lá naquele dia e meu coração voltou à vida"). Milton então fez a versão da música com a mistura da letra em inglês e português. Letra em português que ficou a cargo de Fernando Brant – velho conhecido da música mineira. Taylor e Milton dividem as vozes durante a música toda, e quando chega ao final, Taylor canta em inglês e Milton canta por cima a mesma estrofe em português.  Linda mistura.

Agora vem a música mais transcendental (Bob Marlon) que Milton fez. Em parceria com Flávio Venturini “Qualquer Coisa a Haver com o Paraíso” é mais uma daqueles sons de Milton que não têm letra, mas a voz se destaca fortemente. Com participação de Peter Gabriel (Genesis) que sempre foi fã declarado ‘the boys of the corner club’ ou os “garotos do Clube da Esquina “. Essa música começa bem lenta com a voz rouca de Peter Gabriel, crescendo assim que Milton entra em contraponto ao tempo e a voz de Peter. Simplesmente uma composição que deveria ser patrimônio imaterial da humanidade. Não, não é exagero, é um fato consumado dito por muitos.

“Vera Cruz” é uma das músicas mais antigas compostas por Milton Nascimento e Márcio Borges, porém gravada originalmente por Elis Regina no disco “Elis, como e porque” de 1969. Milton não mudou a melodia da música nem o tempo, apenas colocou sua voz em uma música que já era bem  característica com a voz da ternurinha. Uma singela homenagem.

“Novena”. Essa música tem muita história. Foi a primeira música escrita por Milton e Márcio Borges, com outro nome “Paz do Amor que Vem” e a primeira vez que fora gravada. Após saírem de uma das várias vezes que forma ao cinema ver o filme Julies e Jim, Milton e Márcio saíram decididos que iriam compor canções. A primeira canção foi justamente “Novena”. Na audição deste disco, Milton sentou-se com Márcio Borges e de mãos dadas ouviram todo disco. Justamente em Novena, seu irmão número doze cantava :

“...se digo amor
só é por alguém
é pelos malditos
deserdados deste chão...”

Nessa mesma hora Milton apertou com força a mão de Márcio. Voltaram no tempo. Porque essa música, justamente essa, lançava-os no vórtice de um abismo, um redemoinho de trinta anos de profundidade. Sem essa canção, talvez não tivesse existido toda a carreira de Milton. Agora, eles já não eram mais jovens e sonhadores, e sim dois cinquentões. Até o próprio clube da Esquina não era senão apenas memória, momentos evaporados sob o calor de sentimentos.

“Amor amigo” é releitura de uma música já gravada por Milton , porém neste disco ela é totalmente instrumental.  Começa com um violão fantástico de Pat Metheny (grande guitarrista de jazz americano), depois com a entrada de voz de Milton e de um piano maravilhoso, tocado por Herbie Hancock(também jazzista americano).

Para fechar o disco, apenas uma passagem. Sofro Calado com Milton na voz e piano.

Disco de ouro.


Para acompanhar esse disco na real deveria ser batida de limão, já que Milton e Márcio têm diversas
histórias chapando dessa bebida, mas não vou desviar da proposta das cervejas. Indico a Bavaria 8.6 mas não se engane, não é a nossa Bavária não. Essa é uma cerveja holandesa, de alta fermentação, sabor mais forte e marcante. Com 7,9% de álcool, a cerveja é uma Larger mais forte, que combina muito bem com frituras e massas mais pesadas. Queijos mais fortes como gorgonzola e real caem muito bem para acompanhar. Então abra essa cerveja e bote pra rodar Angelus. Pode crer que não irá se arrepender.

Saúde.

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