quinta-feira, 26 de abril de 2012
Ah, as lembranças
Noite em claro é assim. As sombras sempre fazem desenhos nas paredes. E nessa noite, não foi nada diferente.
A noite estava gélida. Me sentia no sul do país,mas não estava lá. Muita coisa vinha a minha cabeça. Muitas memórias, muitos presentes e quem sabe algo do futuro.
Vozes surgiam em minha mente. Acendi um cigarro. “Se minha esposa souber que ando fumando novamente ela me mata”, pensei comigo mesmo.
O cigarro me fazia esquecer um pouco desse frio. Estava despreparado. Até tinha blusas e um cobertor, mas estavam no meu quarto e não queria me deslocar para pegá-los.
Lembro de minha filha um dia comentando comigo “Pai, um dia você vai estar sozinho e vai se arrepender de tudo o que já fez”. Ela falou isso porque estava com raiva. Pena ela ter partido sozinha. Infelizmente a fatalidade aquele dia acabou comigo. Ela, toda nervosa, saiu de casa, apenas porque dei uma bronca nela. Ela me engravida e não tinha certeza de quem era. Nossa, minha vontade foi de bater muito nela, mas falei boas merdas. Quando ela saiu de casa, uma pena, aquele carro veio e acabou com uma vida que mal havia começado. Infelizmente ela partiu brigada comigo. Meu Deus, essa dor que nunca acaba.
Essas noites de insônia nunca me deixam tranqüilos. Olho para a lua, olho para o céu...sempre negro como meus pensamentos. Há muito tempo venho pensando se minha vida realmente vela a pena.
Agora, com minha esposa no hospital, preciso de mais força...ah, as memórias. Lembro-me quando a gente se conheceu. Estava tão frio quanto hoje. As nuvens baixas deixavam uma linda neblina no ar. Eu a vi chorando na rua perguntei o que a fazia tão triste e que os olhos dela eram lindos para ter alguma lágrima. Foi o primeiro sorriso que consegui tirar dela, de muitos outros. Desde então, não nos separamos mais. São exatos 16 anos dessa alegria, mas desde que nossa menina se foi ela anda doente.
Sem minha menina fico pensando que a minha vida não vale muito a pena. Mas sempre penso que se eu partir, o rombo no coração de minha amada será maior do que já está...Ah, as lembranças.
Minhas palavras são soltas no ar, assim como minhas lembranças...merda de brasa que cai na roupa...Minhas memórias vão e vem na maior facilidade. Primeiro beijo, primeira namorada, primeiro dia de aula, primeiros passos, primeira briga, primeira vez, primeira nota boa,o que sempre foi raro...Mas desde que a menina se foi, as memórias são apenas aleatórias.
Lembro-me do primeiro sorriso dela. Ainda na maternidade, a enfermeira a pegou e levantou para tirar uma foto, através do vidro mesmo. Foi ai que ela sorriu. E o papai babão aqui se derreteu todo. E hoje, só as lembranças me acompanham...
(o telefone toca)
Não posso acreditar...pelo menos a minha vida agora tem um outro sentido.
(Ouve-se um barulho de tiro)
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