sábado, 24 de março de 2012

Caes

Você precisa ser louco,
Você precisa ter um motivo de verdade
Você precisa dormir sobre seus dedos do pé
E quando você estiver na rua
Precisa ser capaz de escolher a carne fácil
Com os olhos fechados
E depois se movendo silenciosamente,
Contra o vento e escondido
Você tem que atacar no momento certo
Sem pensar.

E passado algum tempo
Você pode trabalhar em pontos por estilo
Como a gravata
E um firme aperto de mão
Um certo olhar nos olhos,
E um sorriso fácil
Você tem que passar confiança
Para as pessoas que você mente
Para que quando elas virarem as costas
Você tenha a chance de enfiar a faca

Você precisa manter um olho
Sempre olhando por cima do seu ombro
Você sabe que ficará cada vez mais difícil,
E mais dificil e mais difícil conforme vai envelhecendo
É, e no fim arrumará as malas e
Voará para o sul
Esconder sua cabeça na areia
Apenas outro velho triste e sozinho
Morrendo de câncer.

E quando você perder o controle,
Você colherá o que plantou
E à medida que o medo cresce,
O sangue ruim azeda e vira pedra
E é tarde demais para largar o peso
Que você costumava jogar por aí
Então se afogue,
Enquanto você vai afundando sozinho
Arrastado pra baixo pela pedra.

Eu tenho que admitir
Que estou um pouco confuso
As vezes me parece
Que estou sendo usado
Preciso ficar acordado, e tentar sacudir
Esse mal-estar rastejante
Se não estou pisando em meu próprio chão
Como poderei encontrar a saída deste labirinto?

Surdo, mudo e cego,
Você apenas continua fingindo
Que todos são dispensáveis
E ninguém teve um amigo de verdade
E parece que a solução
Seria isolar o vencedor
E tudo é feito sob o sol
E você acredita que lá no fundo todo mundo é um assassino

Que nasceu numa casa cheia de dor
Que foi treinado para não cuspir no ventilador
Que foi ordenado pelo homem a o que fazer
Que foi quebrado por pessoal treinado
Que estava usando colarinhos e correntes
Que levou um tapinha nas costas
Que andava fugindo da matilha
Que era apenas um estranho em casa
Que foi triturado no fim
Que foi encontrado morto ao telefone
Que foi arrastado pra baixo pela pedra

Que foi arrastado pra baixo pela pedra.

quarta-feira, 21 de março de 2012

As Mineiras - Drummond

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar.
Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo ficou de fora?
Porque, Deus, que sotaque!

Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde.
Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor.

Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma.
Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.
Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: 'pó parar').

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs.

Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz de direito, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de serviço.

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.
Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: 'cê tá boa?'
Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário.

Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.
Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer:
Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).
O verbo 'mexer', para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar.
Se lhe perguntarem com que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.
Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta.
Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:
Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não,sô.

Esse 'aqui' é outro que só tem aqui.
É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase.
É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, 'olá, me escutem, por favor'.
É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem 'apaixonado por'.
Dizem, sabe-se lá por que, 'pêxonado com' . Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: 'Ah, eu pêxonei com ele...'.
Ou: 'sou doida com ele' (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).
Elas vivem apaixonadas 'com' alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de 'bonitim', 'fechadim', e por aí vai.

Já me acostumei a ouvir: 'E aí, vão?'. Traduzo: 'E aí, vamos?'.
Não caia na besteira de esperar um 'vamos' completo de uma mineira. Não ouvirá nunca. Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal.

Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.

No supermercado, não faz muitas compras, ele compra
'um tanto de côsa'.
O supermercado não estará lotado, ele terá 'um tanto de gente'.
Se a fila do caixa não anda, é porque está 'agarrando' [aliás, 'garrando'] lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena,
suspirará: Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.

Não vem caçar confusão pro meu lado.
Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro 'caça confusão'.
Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele 'vive caçando confusão'.

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é muitíssimo bom vai dizer: 'Ô, é sem noção'.
Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora, idéia do 'tanto de bom' que é. Só não esqueça, por favor, o 'Ô' no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?

Capaz... Se você propõe algo e ela diz: capaz!!!
Vocês já ouviram esse 'capaz'? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer 'ce acha que eu faço isso'? com algumas toneladas de ironia...

Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá:
'Ô dó dôcê'.
Entendeu? Não? Deixa para lá.
É parecido com o 'nem...'. Já ouviu o 'nem...'?
Completo ele fica:- Ah, nem...
O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum.

Você diz: 'Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?'.
Resposta: 'Nem...' Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.

Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?
A propósito, um mineiro não pergunta: 'você não vai?'.
A pergunta, mineiramente falando, seria: 'cê não anima de ir'?
Tão simples. O resto do Brasil complica tudo.

É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem...
Falando em'ei...'.
As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o 'ei' no lugar do 'oi'.
Você liga, e elas atendem lindamente: 'eiiii!!!', com muitos pontos de exclamação, a depender da saudade... Tem tantos outros...

O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema.
Sou, não nego, suspeito.
Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada.
Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.
Se você, em conversa, falar: Ah, fui lá comprar umas coisas...
Que' s côsa? - ela retrucará.
O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um 'pelas metade', no lugar de 'pela metade'.
E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:
Ele pôs a culpa 'ni mim'.

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios em Minas...
Ontem, uma senhora docemente me consolou: 'prôcupa não, bobo!'.
E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se
espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: 'não se preocupe', ou algo assim.

A fórmula mineira é sintética. E diz tudo.
Até o 'tchau' em Minas é personalizado.
Ninguém diz tchau pura e simplesmente.
Aqui se diz: 'tchau procê', 'tchau procês'.
É útil deixar claro o destinatário do tchau.
Então...

Nota do Blog - Nenhum homem no mundo será 100% feliz se não escutar um uai ao pé do ouvido

segunda-feira, 19 de março de 2012

Saindo ao nascer do sol
Mares são vidros flutuantes
As marés estavam se transformando em tempestade
Os ventos estavam se movendo rápido
Mulheres aguardando no porto
Silenciosamente aguardam em volta
Tempestades avançam mais um dia
Pois homens o mar encontrou
Pescadores estendendo as redes
Os barris espalham as iscas
Os avisos das gaivotas ecoam pelos arredores
Ventos que não podiam esperar
Pessoas aglomeradas no porto
Aguardando pela maré
Olhos meio fechados contra o borrifo
E lágrimas que não conseguem esconder
Se abaixando, virando de costas
Chuva caindo como granizo
Os oleados batendo, convés lavados
Os cascos estavam rangendo destruindo as velas
Trovão ressoando no porto
Mulheres atraídas pelo medo
Se aglomeram para esperar a hora
E rezam que os céus limpem
Ventos uivantes e as ondas agitadas
Racham sobre os barcos
E separados da segurança, separados da vida
Homens com pouca esperança
Ecos assustadores no porto
Suspiros de morte
Mulheres chorando segurando as mãos
Daqueles que ainda lhes restam
Sombras caem no porto
Mulheres aguardam em volta
Tempestades avançam por outro caminho
Pois homens o mar afogou


sexta-feira, 9 de março de 2012

Autismo

“Eu construí uma ponte
Além de nenhum lugar, através do nada
E queria que existisse algo no outro lado
Eu construí uma ponte
Além da neblina, através da escuridão
E desejei que estivesse luz no outro lado.
Eu construí uma ponte
Além do desespero, através da desconsideração
E sabia que poderia ter esperança no outro lado.
Eu construí uma ponte
Além da falta de ajuda, através do caos
E acreditei que poderia existir força do outro lado.
Eu construí uma ponte
Além do inferno, através do terror
E era uma boa, forte e bonita ponte.
E era uma ponte que eu construí
Com apenas minhas mão por ferramentas
Minha obstinação como suporte
Minha fé como medida e meu sangue como pregos.
Eu construí uma ponte
E a atravessei, mas não havia ninguém
Para me encontrar do outro lado”.


SINCLAIR

Moska - A outra volta do parafuso

Esquecemos tudo então

Vamos esquecer aqueles dias que passamos juntos, e que estragaram aquele sentimento tão belo que tivemos quando nos conhecemos.
Vamos esquecer que aquela rotina de dormir e acordar juntos acabou com um sonho tão belo. Aqueles pensamentos iguais de comunidades, filhos, corpos, universo, religião...
Lembro que um dia tu me disseste “Não importa o que aconteceu no passado, o que importa é que agora você quer ficar comigo”. E hoje isso são apenas palavras
Claro que eu também errei, mas sei muito bem que não fui o único. E que todos os meus erros tomarei de lição para que um dia possamos novamente ter ao menos um papo além do “oi, e ae, que bom,tchau”.
Sinto falta de nossos carinhos. Daqueles planos que fazíamos. Daquela viagem marcada e que infelizmente não aconteceu. Daquele destino sem culpa.
Aqueles abraços, aqueles beijos, aquela cumplicidade... Sinto falta de tanta coisa, de tantos papos, mensagens pelo celular, os textos que falávamos com o outro.
Mas isso tudo é apenas uma lembrança. Algumas palavras realmente foram soltas, ao vento e que nada disso hoje parece ser real.
Dentre todos os dias daminha vida, me dói saber que fiz a pior escolha de todas. Sair de perto de ti.