Ela passava as mãos sobre meus cabelos. A intensidade das
coisas era forte demais, e eu nunca relutei contra. Aliás, a única coisa que
lutamos contra era ter a noite de amor dentro de um carro, na porta de sua
casa, onde sua mãe poderia aparecer a qualquer minuto.
Tinha horas que inventávamos algum papo para o clima não
ficar tenso, afinal a vontade era maior do que tudo em nossos corpos. Lembro-me
de botar a mão por dentro de sua saia. Ela, ofegante, relutou sem querer tirar
minha mão lá de dentro. Ela, ofegante e cheia de vontades. Eu...bem, eu fazia o
papel.
Seus cabelos, ondulados que mais parecia de molas misturava-se
ao molhado de nosso suor e nossos beijos. Era engraçado, mas ela sempre temia
em ficar com os cabelos desarrumados, e agora perdia totalmente as estribeiras.
Os óculos batiam. Eu pedia para que ela continuasse a usar e eu tiraria o meu.
Fetiches e admirações da vida.
Lembro-me de umas palavras que trocamos. ´´ Tem algo de ruim
em você mesmo ´´, perguntávamos, lógico, sem conhecer profundamente nossas
vidas. Mas por um mero acaso, acabamos naquele carro, com aqueles beijos e
naquela situação.
Fomos apresentados por uma grande amiga em comum. Simone
trabalhava em uma loja de brinquedos quando fui comprar algo. Pedi algum
brinquedo para meninas, e ela veio com inúmeras opções para a criança brincar
de dona de casa. Quando ela viu minha expressão, puxou papo. Viu que eu era
apenas mais um de passagem pelo lugar e me convidou para tomar, junto com
alguns amigos, um Pisco. Aceitei. Cheguei ao tal bar na hora marcada, apenas
Simone estava presente. Começamos a conversar e os amigos iam chegando.
Chegaram dois, quatro, seis, quando fui perceber, a mesa estava com mais gente
que a santa ceia.
No início, apenas papos descontraídos. Chegaram um violão e
uma flauta. As músicas começaram a rolar, juntamente com as garrafas de pisco.
Não consegui contar quantas havíamos bebidos até aquele momento...aquele
momento.
-Qual seu nome?
- Viccenzo e o seu?
- Jezabel, mas todos me chama de Jessie.
- Prazer, Jaezabel, nome bíblico, certo?
- Sim, meus pais, religiosos só colocaram nomes bíblicos nos
filhos. Meu irmão chama-se Pedro. Quero que seja o nome do meu filho também. O
que veio fazer por aqui?
-Te conhecer, eu disse brincando. Ela riu. Começamos a bater
um bom papo. Ela, médica formada. Eu? Um mero viajante. Nunca imaginei que uma
médica como ela fosse se interessar por mim. Falamos de estrelas, de como era
sua vida naquela cidade, de como as coisas aconteciam. Até que, em uma
brincadeira boba...
- Nossa, que legal, perfeita, mas é médica. Mesmo assim, quer
casar comigo?
Ela riu. Não respondeu nada
- É , uma médica nunca iria se interessar por um nada assim
- Eu não falei que não. Só quero saber, pra você, o que
teria demais um filho se chamar Pedro?
-An?, acho que nada, nem sei se pretendo ter filhos na
verdade, mas se tivesse, Pedro seria um nome bom sim.
Ela riu. Respirou fundo e pediu licença para ir ao banheiro.
Levantou-se rapidamente e saiu, às minhas costas. Eu em um impulso que veio não
sei de onde, fui atrás. Ela usava o banheiro enquanto eu a esperava no lado de
fora. Ela abriu a porta. Uma senhora pediu licença para utilizar e passou entre
nós. Quando ela fechou a porta, nos beijamos. Sim, na porta de um banheiro de
um bar sujo fechamos o mundo. Tudo poderia cair naquele momento, que estaria
bem. As bocas se encontrando, o movimento do corpo, as mãos em uma dança
imaginária que parecia ensaiada... aquele beijo mostrou que não foi a primeira
vez que estávamos juntos. Mas tudo indicava que seria a última.
Voltamos à mesa. Em meus pensamentos, pensava que seria
algo só ali no banheiro, afinal não conhecia ninguém ali da mesa e já fui logo
agarrando uma das mais belas. Ela pediu para chegar mais perto. Beijamo-nos
ali, na frente de todos, sem o mínimo de problema. Ela pegou o meu braço e
entrelaçou em seu corpo, dando a mostra que sim, ali havia um casal sentado.
Ela parecia não querer desgrudar de mim. Falei que iria embora em três dias,
que estava só de passagem.
- Então hoje vou te levar pra conhecer alguns lugares daqui.
E você é meu convidado, não precisa se preocupar com entrada e bebidas.
- Não, isso não vou permitir, eu pago minha entrada e tudo o
que eu beber.
- Ok, mas hoje você terá uma noite boa.
O papo ainda foi rolando naquele bar. Ela ,em um tom
confessional, falava baixo pra mim.
- Nossa, difícil eu me interessar por alguém, mas você
realmente me chamou a atenção.
- Devem ser meus olhos azuis (eu não tenho olhos azuis).
- Para com isso bobo, sério. Te contar. Eu já fui casada, e
conheci meu ex-marido assim, no bar e era amigo de uma amiga. Engraçado como
são as coisas, eu me encantei por ele assim como estou encantada por você.
Estranho, mas parece que tem coisa se repetindo.
- São as peças que a vida sempre nos prega né. Mas acho que
é uma mera coincidência, afinal nós só temos hoje para aproveitar...
- Então teremos uma noite inesquecível.
Ela me levou a um bar pelo centro da cidade. A arquitetura
do centro era rústica, um tanto quanto pitoresca também. Achei belo, mas ela
por ser moradora de lá, acha feio, prefere as coisas modernas. Como ela mesma
falou ´´ gosto de um bom shopping com ar condicionado ´´.
O bar era fechado, sem muita ventilação e com muita gente.
Pra mim, era algo que nunca imaginaria ficar, mas não sei porque aquela
companhia estava de muito bom grado. Bebemos cerveja, e claro Pisco. Pisco é a
bebida combustível daquele lugar.
- Você tem de ir embora mesmo? Fica por aqui. Te ajudo a
conseguir um trabalho, uma casa. Você pode ficar em casa um tempo...
- Calma ai, Jessie, vamos com calma. Primeiro, minhas ações
são impulsivas, não fique falando pra eu ficar que eu acabo ficando. Segundo,
não, não ficaria em sua casa, apesar de querer muito ficar contigo, mas nos
conhecemos faz pouco tempo, não seria uma boa ideia isso.
-Eu sei, tô fazendo drama, mas você bem que poderia...
E isso ficou na minha cabeça. Bebemos, nos beijamos, nos
amamos, nos apaixonamos e chegou a hora de ir embora. Ela pegou um cigarro, que
até então não havia fumado.
-Eu sabia que tinha algum defeito, você fuma.
-Só às vezes, mas se você se incomoda eu não fumo agora não.
-Sem problemas, só não acho bonito, apenas isso.
- Se incomoda ou não?
-Fuma logo.
Ela acendeu o cigarro. Mas por incrível que pareça, achei-a
fumando com um charme muito grande. A fumaça ficava em volta de seus cabelos,
que até então estavam apenas presos por um elástico. Ela tragava, olhando para
o filtro, e soltava para cima, fazendo um bico que me fez lembrar inocência.
Estranho, mas uma mulher fumando me lembrou...inocência.
Fomos embora.
- Não quero acabar a noite assim, pra onde você quer ir?
- Você quem mora aqui, não conheço nada.
-Poxa, mas não me vem nada a cabeça agora.
- Certo, tem algum lugar que de pra ver a cidade do alto?
- Tem, mas não sei se já começaram a construir algo por lá,
vamos passar e vir.
Andamos por cerca de 20 minutos até chegar ao local, que
sim, haviam começado a construir condomínios que impedia nossa vista da cidade
do alto.
- Poxa, que droga, vamos dar uma volta, ao menos você pode
conhecer um pouco da cidade.
- Certo.
A conversa começou a ficar um pouco mais séria
- Poxa, não vai embora, gostei tanto de você.
- Posso afirmar que é recíproco, mas não tenho como ficar.
Estou em um hotel podre, e já estou gastando uma grana boa com isso.
- Eu te ajudo.
- Jamais.
- Pare com isso. Sério, faz tempo que não me interesso por
alguém, e você é muito interessante.
Eu fiquei sem graça. Fiquei vermelho e ela começou a fazer
coisas de propósito para me deixar mais vermelho ainda.
Paramos no carro. Ela parou, pois ela quem o conduzia.
Ficamos parados por umas três horas conversando, rindo, nos
beijando... Tudo parecia uma grande novidade, mas tudo parecia que acabaria
logo, então cada minuto juntos era precioso. O problema é que as horas que
passamos foram minutos. O tempo parecia não cooperar conosco.
Ela, com aquela saia rodada, uma blusa branca. Parecia a mais
pura ninfa dada pelos Deuses a mim como presente. Nunca soube se eu merecia
realmente esse presente, mas que ele foi muito bem aproveitado, isso pode
apostar!
Ali, dentro daquele carro, eu sentia que tudo estava parado.
O tempo não valia mais para nada. Muita coisa passou nesse meio tempo.
Mensagens, saudades, telefonemas de horas, horas e horas. Parecíamos os
melhores amigos de infância, sem nunca termos nos vistos antes.
A vida nos prega esse tipo de peça. O que ficou foi a
lembrança de uma paixão forte, intensa, que nunca mais saiu de minha memória e
meu coração. E aquela frase, a mesma frase que me perseguiu por todo o tempo
que ficamos separados, ainda fica em minha cabeça.
´A vida se apresenta na
possibilidade de encontrar a diferença mesmo naquilo que aparentemente se
repete´.